03 setembro 2025

“3 Obás de Xangô” é a consolidação da Bahia que conhecemos pelas mãos de três artistas

Esclarecedor e divertido, documentário do diretor Sérgio Machado aborda a amizade entre o escritor Jorge Amado, o compositor Dorival Caymmi e o artista plástico Carybé (Fotos: Primeiro Plano)


Eduardo Jr.


A imagem que se tem da Bahia como uma terra ligada à arte, religiosidade, simplicidade e resiliência passa pelos nomes que centralizam a narrativa do documentário “3 Obás de Xangô”, em cartaz nos cinemas.

A obra do diretor Sérgio Machado aborda a amizade entre o artista plástico Carybé (1911-1997), o cantor e compositor Dorival Caymmi (1914-2008) e o escritor Jorge Amado (1912-2001). Um elo que se fortifica pela representatividade deles para o candomblé e pela colaboração na construção de uma identidade baiana. 

Não é a primeira vez que Sérgio retrata a Bahia. A terra natal do diretor foi cenário do longa “Cidade Baixa” (2005), que apresenta uma amizade que vai se esfacelando e elementos que perpassam Salvador e as obras de Amado, Carybé e Caymmi, como a pobreza, a prostituição e o mar. 

Agora, o diretor se volta para a força do laço fraterno, a religiosidade, e coloca os temas citados como subtítulos da arte produzida pelos três.  


Tamanha identificação com a história da Bahia resultou no título de Obás de Xangô que os três receberam. Mãe Aninha, mandatária do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, criou o título nos anos 1930. O objetivo era que os Obás atuassem como mediadores entre o terreiro de candomblé e a sociedade. 

Chama atenção a frase na abertura do filme: “Liturgia significa o poder do povo enquanto consenso, política significa o poder do povo enquanto diferenças”. 

Em uma época em que a intolerância religiosa taxava como crime as manifestações de matriz africana, a escolha de Mãe Aninha por expoentes da cultura foi estratégica.


A expressividade de Amado, Carybé e Dorival pode ser entendida logo no início do documentário, em uma carta narrada por Lázaro Ramos, onde diz que os três “engravidaram do povo e pariram a Bahia na popa de um saveiro, numa barraca de folhas, num ritual no mercado, no peji de Iemanjá no Rio Vermelho. Foram a face, a voz, o pranto e o riso do povo da Bahia”. Parece não haver definição melhor.

A produção do documentário começou em 2018, baseada em cenas de arquivo e em material não aproveitado de um média-metragem dos anos 1990, filmado por Walter Carvalho. 

Há também entrevistas realizadas com o jornalista Muniz Sodré, o escritor Itamar Vieira Júnior, o cantor Gilberto Gil, e Zélia Gattai, esposa de Jorge Amado. 


Completam a obra cenas de filmes de Bruno Barreto, Nelson Pereira dos Santos e fotos de Pierre Verger, que mesmo estáticas, exalam vida. Não por acaso, "3 Obás de Xangô" conquistou o prêmio de 'Melhor Documentário do Ano' no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. 

Venceu também o Grande Otelo de 'Melhor Longa-Metragem', foi eleito 'Melhor Filme' pelo Júri Popular, na Mostra de Cinema de Tiradentes, além de ganhar o Redentor de 'Melhor Documentário' no Festival do Rio. Além do Prêmio do Público de 'Melhor Documentário Brasileiro' na Mostra de São Paulo. 


Força da mulher

Outro mérito do filme é que as presenças de Amado, Carybé e Dorival deixam de ser o único atrativo quando surgem na tela as raras imagens de Joãozinho da Goméia, Camafeu de Oxossi, Mãe Stella de Oxóssi e Mãe Menininha do Gantois. 

Inclusive, exaltar a força da mulher é uma das aspirações do longa. Para além do canto de Caymmi e do protagonismo feminino nas telas e páginas criadas por Carybé e Jorge Amado, o longa é firme ao expor que as mulheres é que comandavam terreiros e cuidavam de orixás, e não os homens. 

“Uma aceitação do poder feminino que talvez seja maior na Bahia do que em qualquer outro lugar”, é o que se ouve em uma das entrevistas. “3 Obás de Xangô” é uma aula que acaba nos lembrando uma canção de Caymmi, que assume ares de conselho de amigo: “você já foi à Bahia? Não? Então VÁ!” 


Ficha Técnica
Direção: Sérgio Machado
Roteiro: Sérgio Machado, Gabriel Meyohas, Josélia Aguiar, André Finotti
Produção: Coqueirão Pictures, com coprodução da Janela do Mundo, Globo Filmes e GloboNews
Distribuição: Gullane+
Duração: 1h15
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

02 setembro 2025

Quando "Desenhos" falam mais que palavras

Monstros criados pela imaginação fértil e sofrida de uma menina ganham vida para falar de emoção e
traumas (Fotos: Paris Filmes)
 
 

Maristela Bretas

 
Uma família marcada por um trauma, em que cada membro tenta lidar com a perda da mãe à sua maneira. A filha, que parecia ser a mais problemática, é justamente quem consegue expressar seus sentimentos de forma peculiar: nos cadernos. Assim é "Desenhos" ("Sketch"), suspense fantástico escrito e dirigido por Seth Worley que estreia nesta quinta-feira nos cinemas.

Amber (Bianca Belle) é uma menina de 10 anos que sofre com a morte da mãe. Tímida e solitária, ela não tem amigos e é desenhando que extravasa sua tristeza e temores. Com o tempo, porém, seus desenhos se tornam cada vez mais sombrios, assustando professores, o pai e o irmão Jack (Kue Lawrence).


Um dia, seu caderno de desenhos cai em um lago misterioso e, de forma inexplicável, as criações da jovem ganham vida e se tornam perigosas. Agora, cabe a Amber e Jack, com a ajuda de um amigo improvável e medroso, rastrear as criaturas antes que causem danos permanentes. 

Apesar de algumas cenas assustadoras, "Desenhos" é uma aventura de fantasia que fala sobre perdas e como elas podem transformar uma família. Ao criar monstros bizarros com caneta, lápis ou giz, Amber canaliza sua raiva contra o mundo e, especialmente, àquele que faz da sua vida escolar um inferno - Bowman (Kalon Cox), o gordinho chato e covarde que lembra Chunk, de "Os Goonies" (1985), vivido por Jeff Cohen.


O filme também tem cenas que lembram a atuação de outro personagem, desta vez mais recente, Eleven, da série "Stranger Things" (2016), em algumas passagens protagonizadas por Amber. 

Produzido pelo estúdio Wonder Project, "Desenhos" é mais um longa voltado para a família abordando valores cristãos, sem soar como pregação. Cada criatura tem uma cor e um motivo para estar ali: da ameaçadora 'aranolho', que ataca Taylor (Tony Hale), pai de Amber e Jack, e Liz (D'Arcy Carden), irmã de Taylor, até o desengonçado Dave, o monstro azul de duas pernas que persegue Bowman, e a delicada borboleta amarela. Todos eles estimulam os personagens a usar a imaginação e criar coragem para enfrentar seus estranhos "inimigos" mágicos.



Apesar de ser um filme para crianças a partir de 10 anos, "Desenhos" tem cenas que podem impressionar os pais, como monstros queimados ou tentando estrangular uma criança com a língua. Mas nada comparado à violência explícita de muitos games disponíveis no mercado. 

O roteiro também apresenta um vocabulário de expressões comuns no dia a dia de muitas crianças, o que facilita a identificação do público. Nada disso, porém, tira o mérito da produção, que entrega uma história sensível, criativa e que merece ser conferida em família.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Seth Worley
Produção: Wonder Project com apoio da Angel Studios
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h32
Classificação: 10 anos
País: EUA
Gêneros: família, suspense, aventura, fantasia