11 setembro 2019

Mesmo romanceado, "Legalidade" é uma oportuna aula de História do Brasil

Leonardo Machado interpreta um Brizola seguro, com sotaque e entonação característicos do líder (Fotos: Joba Migliorin/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Para quem tem fome de História, "Legalidade", dirigido por Zeca Brito, que entra nesta quinta-feira (12) em cartaz em Belo Horizonte, é simplesmente um prato cheio. O ano é 1961, o presidente eleito Jânio Quadros renuncia e o imbróglio está criado: o vice João Goulart, democraticamente escolhido pelo voto, corre o risco de não tomar posse por causa de suas ideias socialistas. Enquanto o Exército brasileiro, com o apoio de parte da população, faz tudo para impedir que ele suba a rampa em Brasília, no Rio Grande do Sul nasce e cresce um movimento forte para que Jango seja empossado. E quem lidera essa luta, que ficou conhecida como Rede da Legalidade, é o então governador gaúcho Leonel Brizola. 


Já que, por aqui, há muito se diz que brasileiro tem memória curta, tomar conhecimento de como se criou o movimento gaúcho pela posse de João Goulart é um deleite. O que pode ter passado à História como mera bravata surge, na tela, como uma rede construída com muita coragem, ousadia, luta e união. E muito da credibilidade que o filme passa se deve à interpretação certeira de Leonardo Machado, a quem o longa é dedicado no final. 



O ator gaúcho morreu em setembro de 2018, aos 42 anos, depois de ter apresentado por anos o Festival de Gramado e de ter ganhado o Kikito de Melhor Ator em 2009 por "Em Teu Nome". Leonardo interpreta um Brizola seguro, com sotaque e entonação característicos do líder, sem nunca ceder à facilidade do exagero e da caricatura. O filme conta com cenas passadas também em 2001 e 2004, com avanços no tempo e flashbacks.


Assim como Leonardo Machado, os demais atores só enriquecem "Legalidade": Letícia Sabatela como Branca, uma jornalista que, nos anos de 2000 investiga o desaparecimento de sua mãe durante a ditadura militar; Fernando Alves Pinto, que faz o antropólogo Luiz Carlos, e José Henrique Ligabue, que vive o ingênuo fotógrafo Tonho. Os dois, que são irmãos, formam um triângulo amoroso com Cecília Ruiz (Cleo Pires), jornalista do The Washington Post que, aparentemente, vem ao Brasil para cobrir o movimento gaúcho. 


Se a direção de arte, os cenários e os figurinos não deixam o espectador se esquecer da triste realidade passada na década de 1960, o mesmo não se pode dizer da trama paralela, o romance vivido por Cecília/Luiz Carlos/Tonho. A historinha fora da História soa falsa, inadequada e inútil. A impressão que se tem é que foi colocada no filme com a intenção de torná-lo mais palatável. Não precisava. Alguém que sai de casa para ver um filme sobre fatos relativamente recentes do Brasil, dificilmente vai se deixar encantar por beijos, corpo e transas da atriz Cleo - que não usa mais o sobrenome Pires.


Enfim, "Legalidade" é um filme necessário, principalmente neste Brasil de hoje, quando muitos temem pelo fim da democracia e do cumprimento da Constituição. Ver como os gaúchos, naquele ano de 1961, com toda a precariedade das comunicações, enfrentaram com organização, bravura, solidariedade e coragem, a ameaça de uma ditadura que acabou chegando três anos depois, não deixa de ser um alento. Mais do que isso, um estímulo. Na sessão de pré-estreia, houve aplausos no final.

A obra foi premiada recentemente durante o 42ª Festival Guarnicê de Cinema (São Luís - MA), vencendo nas categorias de Melhor Direção (Zeca Brito), Direção de Arte (Adriana Borba), Fotografia (Bruno Polidoro) e Melhor Ator (Leonardo Machado - in memoriam). “Legalidade” é o sexto longa de Zeca Brito e foi inteiramente rodado no Estado do Rio Grande do Sul.

Ficha técnica
Direção: Zeca Brito    
Roteiro: Zeca Brito e Leo Garcia
Produção: Prana Filmes
Distribuição: Boulevard Filmes
Duração: 2h02
País: Brasil
Classificação: 14 anos

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