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12 setembro 2025

"Seu Cavalcanti" e a devoção que transcende o tempo

Diretor Leonardo Lacca coletou imagens em movimento do avô por mais de duas décadas, que foram transformadas num documentário/ficção (Fotos: Divulgação)


Patrícia Cassese


No início dos anos 2000, à época no vigor dos seus 20 e poucos anos, o recifense Leonardo Lacca teve um impulso: coletar imagens em movimento do avô, Seu Cavalcanti. 

Ali, naquele momento específico, o hoje diretor, roteirista, editor, preparador de elenco e produtor cinematográfico não tinha uma ideia precisa do que iria fazer com o material. 

Fato é que, no curso dos anos seguintes, Lacca continuou imbuído da missão, que, mais recentemente, acabou desaguando na ideia de usar parte do material para estruturar um filme. 


Junto ao insight, uma série de indagações emergiram, principalmente quanto ao formato ideal para levar à telona fragmentos da vida desse personagem até então conhecido apenas por um círculo limitado de pessoas, composto por colegas, amigos, familiares ou vizinhos. 

Certo, também por uns tantos que eventualmente topavam com aquele carismático senhor, ao qual muitos se referiam como "uma figura". Caso, por exemplo, dos mesários da seção na qual o pernambucano votava, alinhado a seus princípios democráticos.


Pitadas ficcionais

"Seu Cavalcanti", o resultado, leva à telona uma mescla de documentário - narrado pelo próprio Leonardo - com pitadas ficcionais, que incluem, por exemplo, a presença da atriz Maeve Jinkins. O filme, vale dizer, foi exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes em 2024, quando a iniciativa participou da sessão competitiva Olhos Livres. 

A "docuficção" está em cartaz em várias cidades do Brasil e aqui em Bh, no Cine Una Belas Artes, ostentando credenciais como o fato de ter acoplado, no meio do caminho, na produção, os nomes de Emilie Lesclaux e Kleber Mendonça Filho, da Cinemascópio Produções, e Mannu Costa, da Plano 9.


O início do longa flagra Seu Cavalcanti já com 95 anos, morando na mesma casa que o neto, Leonardo, bem como as duas filhas - sendo uma delas, Tereza, a mãe do cineasta. 

No curso da narrativa, o espectador fica sabendo que Seu Cavalcanti é meio que um pai para Leonardo Lacca, que, como salientado, só passou a se relacionar com o seu genitor biológico na adolescência.

Aliás, ao nascer, Seu Cavalcanti quis inclusive registrar o neto como filho, para que, assim, o garoto tivesse a figura paterna constando em seus documentos. A mãe acabou não aceitando, mas, para a Igreja Católica, Seu Cavalcanti ficou sendo oficialmente o pai de Lacca.


Imagens orgânicas

No filme, Seu Cavalcanti tem imagens de seu cotidiano captadas de forma muito orgânica, sem rebuscamentos, com muito naturalismo. 

Assim, vemos o policial civil aposentado - mas com a carteira em dia, como se orgulha - em atividades prosaicas, seja tomando banho, fazendo a barba, tendo os pelos do nariz aparados, dormindo com o ventilador ligado ou afagando a cadela Nina. 

Aspectos engraçados da sua vida também polvilham a história, como o fato de "dirigir muito mal" (nas palavras do neto/diretor) ou de, singelo e puro que era, aceitar todas as propostas de empréstimos apresentadas pelos funcionários da instituição bancária na qual mantinha conta.

O apego ao carro velho - que, em dado momento, é inclusive roubado - também surge na telona, assim como um namoro furtivo - no caso, encenado com a já citada Maeve Jinkings. 


A formatura da neta é outro momento explorado pela câmera afetiva de Lacca, que, cumpre assinalar, prossegue ativa mesmo após a partida de Seu Cavalcanti, em 2016. 

O que conta é o afeto

A ausência física é, pois, substituída pela presença da memória daquele homem de orelhas grandes e apreço confesso ao whisky, e que se orgulhava de, nas eleições presidenciais de 2014, ter votado na candidata da esquerda. 

Nos momentos finais, uma surpresa relativa a seu passado vem à tona, em cenas que também abrem espaço para um divertido perrengue.


Mas é o elemento afeto que alinhava a iniciativa, tornando esse recorte que irrompe de um núcleo familiar específico passível de enternecer aqueles espectadores que, em suas respectivas trajetórias, porventura tenham vivenciado experiências similares. 

Ou seja, de uma convivência enriquecedora, sob um mesmo telhado, de representantes de gerações distintas que, não obstante as diferenças particulares inerentes a todos os componentes de cada família, partilharam ensinamentos, carinho, respeito, cuidado e, principalmente, amor. 

E são esses elementos que certamente farão com que um filme sobre a vida de um homem comum, lá do Recife, tenha o potencial para aquecer o coração de quem for assistir "Seu Cavalcanti" nos cinemas.


Ficha técnica:
Direção e Roteiro:
Leonardo Lacca
Produção: Cinemascópio Produções, Trincheira Filmes, Plano 9
Distribuição: Cajuína Audiovisual
Exibição: Cine Una Belas Artes
Duração: 1h18
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: documentário, ficção