07 maio 2025

"Virgínia e Adelaide" traz à tona a coragem e o pioneirismo de mulheres lutadoras

Longa-metragem é tão delicado, eficaz e didático que funciona quase como um documentário
(Fotos: Fábio Rebelo)
 
 

Mirtes Helena Scalioni

 
Adeptos da Psicanálise - sejam eles profissionais, pacientes ou meramente curiosos - certamente vão tirar proveito maior de "Virgínia e Adelaide", longa de Yasmin Thayná e Jorge Furtado produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre. 

Com roteiro enxuto e certeiro de Furtado, o filme que conta a trajetória da pesquisadora negra Virginia Leone Bicudo e da médica alemã Adelaide Koch estreia dia 8 de maio nos cinemas, prometendo esclarecer e resgatar o pioneirismo de duas mulheres visionárias e lutadoras.


São apenas duas atrizes em cena - Gabriela Correa, como Virgínia, e Sophie Charlotte, como Adelaide - o que leva o espectador a se sentir, em alguns momentos, como se estivesse num teatro. Não há ação, suspense nem tramas, mas o filme é tão delicado e didático que funciona quase como um documentário. 

Quem não sabe, vai ficar sabendo, minimamente, como funciona uma sessão de psicanálise, com seus silêncios, divã, sonhos, transferência, tempo lógico e palavras. Muitas palavras.


Tudo começa quando a paulista Virgínia Leone Bicudo, talvez paralisada e traumatizada após anos de enfrentamento de preconceito racial, procura a médica alemã Adelaide Koch, judia que chegou a São Paulo fugida da perseguição nazista de Hitler. 

Depois de muitas dúvidas e senões, Adelaide topa aceitar a nova cliente e, ao longo das sessões, o espectador vai descobrindo que há muito mais em comum entre elas do que se imagina. 


E é assim, lentamente, durante longos cinco anos, que a relação entre elas vai sendo transformada. As duas se tornam amigas, Virgínia ganha forças para enfrentar tudo e todos, faz também sua formação em Psicanálise, vive um tempo em Londres e se torna a primeira psicanalista brasileira.

No início, o público pode até estranhar o sotaque de Sophie Charlotte como Adelaide, mas a interpretação da atriz é tão convincente e natural que os diálogos passam a transcorrer naturalmente. 

Os diretores Jorge Furtado e Yasmin Thayná

Não se pode esquecer que embora tenha vindo para o Brasil aos sete anos, ela nasceu em Hamburgo, na Alemanha, e alguma coisa deve ter ficado com ela - no inconsciente?  Confira o vídeo do making off do filme clicando aqui

Gabriela Correa também brilha numa interpretação contida de mulher negra vítima de racismo disposta a mostrar ao mundo do que é capaz enquanto seu tratamento vai evoluindo, palavra por palavra, como convém à Psicanálise. Destaque para os figurinos irretocáveis de época, que ajudam a criar o clima para a história.


Como o filme se passa em sua maior parte na década de 1930, em alguns momentos fatos históricos como a ascensão do nazismo e do Estado Novo no Brasil são mostrados, levando o espectador a, quem sabe, traçar alguma similaridade ou paralelo entre eles. 

"O ódio é uma doença contagiosa", uma delas sentencia num dos diálogos. E a certa altura, Adelaide conclui: "Cada um sabe a hora de lutar ou correr". Elas lutaram. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Yasmin Thayná e Jorge Furtado
Produção: Casa de Cinema de Porto Alegre, coprodução Globo Filmes e GloboNews
Distribuição: H2O Films
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h35
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: drama

05 maio 2025

"Screamboat - Terror à Bordo": uma canoa furada de muito sangue e violência e pouco riso

Willie, o rato assassino, é a versão repaginada para o terror de "O Vapor Willie", primeira animação do personagem Mickey com imagem e som sincronizados, lançada há 97 anos (Fotos: Imagem Filmes)
 
 

Maristela Bretas

 
Imagine a inocência dos primeiros desenhos animados do Mickey sendo brutalmente subvertida por uma onda de terror slasher. Essa é a premissa ousada e mal-sucedida de "Screamboat - Terror à Bordo", uma reimaginação sombria e sangrenta do clássico curta de animação "O Vapor Willie" ("Steamboat Willie"), que caiu em domínio público e deve estar fazendo o criador, Walt Disney, revirar no túmulo. Especialmente por ser primeira animação do personagem Mickey com imagem e som sincronizados, lançada há 97 anos.

O filme, feito para transgredir o original, do qual ele utiliza imagens até mesmo de Walt Disney, navega por águas turbulentas de violência gráfica, entregando uma experiência chocante, mas ruim. Daquelas produções que dá vontade de parar de assistir nos primeiros 10 minutos de projeção. 


E não porque muda a proposta da animação de 1928, mas por oferecer um protagonista que enjambrado, que parece um boneco de marionete dos Muppets. Só falta aparecerem as cordinhas. Uma figura mal feita, mesmo sendo o rato maligno interpretado por David Howard Thornton, conhecido por seu papel como Art, o Palhaço, da franquia “Terrifier”. 

A atuação de Thornton é boa e salva a produção em parte, mas o personagem é difícil de engolir. Ele não é aterrorizante, é somente muito feio. A maquiagem e as próteses usadas no ator não causam medo, apenas conseguem deixá-lo repulsivo. A produtora de "Screamboat - Terror a Bordo", a Fuzz on the Lens Productions, também é responsável por "Terrifier 2" (2022) e "Terrifier 3" (2024), além de outros longas do gênero. 


Na trama, vários passageiros e tripulantes da última balsa Staten Island da noite em Nova York são caçados pelo rato Willie, que transforma a travessia em um massacre sangrento, matando um a um dos ocupantes das formas mais bizarras e diferentes. Cercados pela água e pelo medo, eles precisam encontrar um jeito de sobreviver até que chegue o socorro. 

O diretor Steven LaMorte (sobrenome bem apropriado) tentou ousar, como seu colega Damien Leone, responsável pelos filmes de Art, o Palhaço, mas errou feio. A proposta de transformar Mickey, um ícone da infância, em uma criatura sinistra com sua inconfundível silhueta, perseguindo um grupo de jovens desprevenidos em um barco a vapor isolado, poderia ser muito melhor aproveitada. 

Mas a condução do roteiro não foi bem sucedida, nem mesmo quando cria familiaridade do cenário de horrores com as cenas infantis do original.


Um ponto que pode ser chamado de positivo é a trilha sonora. Ao remeter para as melodias alegres de "Steamboat Willie", ela ganha tons ameaçadores, reforçando a perversão da inocência. E só.

Os próprios personagens, ao se depararem com a ameaça, parecem conscientes daquela situação absurda. Tomam atitudes tão bobas que chegam a ser cômicas, ideais para uma produção do tipo terror/comédia, que tornam os acontecimentos previsíveis, tirando o suspense e fazendo o longa ficar ainda mais difícil de ver. Além de não provocar risos.

A narrativa, focada na perseguição e nos assassinatos, não aprofunda nos personagens e menos ainda na transformação do Mickey no malvado Willie. O filme parece mais interessado na violência absurda do que em construir um suspense psicológico. 


O roteiro é ruim do início ao fim, mesmo quando brinca com a nostalgia, transformando o inocente em algo brutal, provando que até mesmo ícones da infância podem se tornar um sangrento pesadelo. Uma produção totalmente esquecível e dispensável. É dinheiro de ingresso jogado fora. 

Para os apreciadores deste gênero que buscam uma experiência que promete chocar pela violência, "Screamboat: Terror a Bordo" entrega um banho de sangue pelas paredes Além de apresentar mais um personagem reformulado no final e deixar claro que haverá um segundo filme. Que sofrimento!


Ficha técnica:
Direção: Steven LaMorte
Produção: Fuzz on the Lens Productions
Distribuição: Imagem Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h42
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: terror, comédia