13 maio 2021

“Libelu – Abaixo a Ditadura”: quando a juventude quer mudar o mundo

Reunião da Libelu numa das salas da USP, local onde começou o movimento (Foto: Arquivo/ Jornal O Trabalho)

Mirtes Helena Scalioni


O que há em comum entre o comentarista global Demétrio Magnoli, o ilustrador e músico Cadão Volpato, o ex-ministro Antônio Palocci, a roteirista e blogueira Fernanda Pompeu, o economista e escritor Eduardo Giannetti, o jornalista Reinaldo Azevedo, o crítico de gastronomia Josimar Melo e o diretor executivo da CUT, Júlio Turra? Resposta rápida: todos – e mais outros tantos – fizeram parte, na década de 1970, de uma organização chamada Liberdade e Luta, cuja história está muito bem contada no documentário “Libelu – Abaixo a Ditadura”. 

Reinaldo Azevedo (Foto: João Saldanha/Boulevard Filmes)

O documentário será exibido em salas especiais de cinema no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília de hoje até o dia 19 de maio. Nas plataformas de OnDemand do Now, Vivo Play, Oi Play, Google Play, iTunes e Apple TV, "Libelu" estreia dia 27 de maio, para aluguel. A primeira exibição no Canal Brasil está agendada para 20 de julho e, em agosto, será a vez de a Globonews mostrar o documentário.

A direção, correta e sem muita invencionice, é de Diógenes Muniz, que conseguiu ouvir cerca de 20 ex-integrantes da Libelu, grupo que juntou, naqueles anos de chumbo, moças e rapazes trotskistas que acreditavam ser possível mudar o mundo. 

Cadão Volpato (João Saldanha/Boulevard Filmes)

Radicais, quase inconsequentes, os jovens faziam questão de dizer que a Liberdade e Luta, braço – digamos – mais despojado da OSI (Organização Socialista Internacionalista) não era um partido e sim uma tendência. Segundo alguns, o nome, criticado inicialmente pelos concorrentes por ser infantil e meio tatibitate, ganhou força e expressão pela seriedade e disposição da turma. Eram todos altamente politizados.

Encontro do Movimento Estudantil (Foto Arquivo/Jornal O Trabalho)

Criada em 1976 na USP, em plena vigência do AI-5, a Libelu fez história e é muito bom que isso tudo seja contado agora, quando cada um tomou seu rumo e, com distanciamento, consegue analisar – com saudade, desdém, complacência ou orgulho – as aventuras de um grupo que não hesitava em desafiar o todo-poderoso da repressão da época, o deputado e coronel Erasmo Dias. Um caso a parte é o depoimento de Antônio Palocci que, em prisão domiciliar, faz uma breve confissão de erros e arrependimentos.

Antônio Palocci (Foto: João Saldanha/Boulevard Filmes)

Além das entrevistas, o documentário exibe trechos de matérias da época, com direito a manifestações, passeatas, quebra-quebra, violência policial e valentias, além de uma entrevista que, na época, o jornalista Mino Carta fez com alguns representantes do grupo. 

Há casos deliciosos, como por exemplo, a história de um dos gritos de guerra mais usados pela tendência, “abaixo a ditadura”, uma sacada do então estudante Josimar Melo, que hoje optou por falar de algo mais leve: a gastronomia.

Josimar Melo (Foto: João Saldanha/Boulevard Filmes)

Bom também é ver senhores responsáveis e sérios lembrando e concordando que a tendência Libelu, diferentemente de outros agrupamentos de esquerda da época, gostava de rock. Enquanto os demais curtiam MPB e canções de protesto, a turma da Liberdade e Luta se permitia varar a noite em festas regadas a cerveja, Rolling Stones e Santana. 

Se as outras organizações eram caretas, eles eram modernos, sabiam ser alegres, namorar e dançar. Já naquela época, muitos se cumprimentavam com selinhos, independentemente de ser homem ou mulher.

Ricardo Pereira de Melo - making off (Foto: João Saldanha/Boulevard Filmes)

Outra particularidade da Libelu: embora fossem submetidos a uma disciplina mais ou menos rígida, os jovens se permitiam fazer política por meio da arte. Não era raro vê-los fantasiados pelas praças, galerias ou dentro dos ônibus, sempre com mensagens contra o regime militar. Ou então, interrompendo peças de teatro para fazer uma performance e dar seu recado de luta.

Talvez a juventude de hoje não compreenda as armas daquele tempo. Mas é difícil não se emocionar vendo “Libelu – Abaixo a Ditadura”. Quem sabe os jovens até gostem de saber que, em manifestações e assembleias daquele tempo sombrio, aqueles rapazes e moças idealistas usavam um grito de guerra que os enchia de vigor, energia e entusiasmo

Laura Batista - making off (Foto: João Saldanha/Boulevard Filmes)


A ideia veio do filme italiano “O incrível exército de Brancaleone”, de 1966, de Mario Monicelli, que conta as aventuras de um homem que, com coragem e valentia, forma um exército de soldados tão maltrapilhos quanto ele para percorrer a Europa do século XI montado num pangaré lutando pela terra que julgava ter direito. Não deixa de ser uma inspiração.


O documentário tem locação única, no prédio da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), projetado pelo arquiteto Vilanova Artigas, também perseguido e exilado pelo regime militar (1964-1985).

Para Letícia Friedrich, produtora-executiva do projeto pela Boulevard Filmes, a obra, vencedora na categoria Melhor Documentário Nacional do Festival É Tudo Verdade 2020, dialoga com a atualidade política e cultural do país, apesar de resgatar um evento que se encerrou entre os anos 1970 e 1980. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Diógenes Muniz
Exibição: Dia 27 nas plataformas Now, Vivo Play, Oi Play, Google Play, iTunes e Apple TV (para alugar) // Dia 20/07 - Canal Brasil // Agosto - Globonews 
Produção: Boulevard Filmes / GloboNews / Globo Filmes / Canal Brasil
Distribuição: Boulevard Filmes
Duração: 1h35
Classificação: Livre
País: Brasil
Gênero: Documentário

2 comentários:

  1. Em Ouro Preto no inicio da década de oitenta, o movimento estudantil se polarizava entre os petistas, ainda de fraldas e os comunistas, ainda de bengalas, mas tinha um pessoal da Libelu, e alguns diziam que em Ouro Preto ainda tem duas coisas antigas e extintas ou quase, animais fósseis, o peripatus acacioi e trotskistas...tempo de incertezas...mas muita mobilização...

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  2. Lembro dessa turma nas assembleias estudantis no final dos anos 70 e início dos 80. Era o que as tendências ML chamavam então de "pequena burguesia radicalizada", trotskistas radicais, muito sectários, que publicavam o jornal "O Trabalho" e sempre iam para o confronto. Hoje pelo jeito são "respeitáveis senhores" de centro que abraçaram o liberalismo. Os antes revolucionários voltaram ao berço burguês.Nada a espantar.

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