27 agosto 2025

Documentário retrata a cadência (no samba e na vida) de Moacyr Luz

Obra dirigida por Tarsilla Alves é recheada de causos e passagens da vida do admirado e respeitado
sambista carioca (Fotos: Bretz Filmes)


Eduardo Jr.


O documentário “Moacyr Luz, O Embaixador Dessa Cidade” é uma oportunidade de conhecer e homenagear um dos mais carismáticos sambistas cariocas. E eu posso provar: em certo momento o biografado diz: “ouvi uma vez que a cada torresmo que a gente come a gente perde 15 minutos de vida; então, pelas minhas contas, eu devo ter morrido em 2014”. Como não gostar de uma figura dessas?

É na pegada dos causos e passagens que Tarsilla Alves faz sua estreia na direção, apontando a câmera para o cotidiano de Moacyr Luz e deixando que ele nos apresente seu mundo em sete dias. A obra tem distribuição da Bretz Filmes e está em exibição no Cine Una Belas Artes


A divisão dos capítulos do documentário é “diária”. Na tela, um lettering que parece escrito à mão, como nos mercados populares, anuncia o dia e a quê se refere. Uma escolha coerente para falar de um ritmo que nasceu manual, sendo caracterizado por instrumentos de percussão como pandeiro, cuíca e tantan, e embalado nas melodias do cavaquinho. 

O primeiro ato chega a causar estranhamento ao mostrar o sambista carioca em uma apresentação em um bar… de São Paulo. A câmera acompanha a fila do estabelecimento dobrando o quarteirão, provando não haver fronteiras para a qualidade musical de “Moa”, como ele é carinhosamente chamado. E a câmera, sabiamente, recorre à metáfora e mostra a cabeça de Moacyr acima das outras. É a criatividade acima da média. 


Mas é no Rio de Janeiro, a cidade natal que o compositor defende com paixão, que a história se desenvolve. Como boêmio inveterado que é o cenário não podia ser outro: a rua. 

É nas praias, feiras, botecos e, sobretudo, nas rodas de samba — onde canta de pé, como quem dispensa o trono que lhe caberia no panteão da música — que Moa constrói suas relações. 

Desses territórios vêm os depoimentos de amigos e admiradores. Entre eles, nomes como Maria Bethânia, Teresa Cristina, Zeca Pagodinho, Guinga, Zé Renato, Jards Macalé, a mãe de Moacyr e até a viúva de Aldir Blanc, parceiro de composição. 


Ao falar sobre Blanc, o documentário encontra uma ponta de tristeza. Os dois descobriram morar no mesmo prédio durante uma carona. Apesar da ótima história sobre a composição de “Coração do Agreste”, tema de Beth Faria em “Tieta”, Moacyr conta, saudoso: “com Hélio Delmiro aprendi a ouvir e com Aldir Blanc aprendi a falar”. 

A cena se passa entre os milhares de livros de Blanc, numa recordação da amizade que ensinou muito a Moa. “Quando cheguei ele já tinha lido a metade disso tudo, e eu não tinha lido nenhum; por isso ele tinha tanta coisa pra compor, pra contar”.  


Samba do Trabalhador

Moacyr Luz é conhecido por uma roda de samba que criou (ou simplesmente aconteceu, como afirma um dos amigos) e que há duas décadas atrai muita gente: o Samba do Trabalhador. 

Toda segunda-feira à noite uma multidão se reúne no Clube Renascença, no Andaraí. O local já foi palco para Beth Carvalho e Martinho da Vila, e é onde o velho Moa, ainda que não tenha mais a destreza da juventude, luta pela resistência do gênero. 

Mesmo que o samba movimente o corpo e faça o espectador sorrir e querer dançar, a câmera desliza pelos instrumentos e acompanhando o biografado. 

As mãos trêmulas, a fala quase arrastada e os passos numa cadência diferente, mais lenta, são observados com gentileza pela lente, deixando de lado os problemas de saúde de Moacyr. 


Imagens de arquivo e cenas do filme "Dia de Feira com Moacyr Luz" (2005, direção de Hugo Moss) também trazem detalhes da vida do compositor, que escreve de trilha de novela a samba-enredo e tinha a música como destino. 

Neto favorito de um avô clarinetista do Corpo de Bombeiros, ele chegou ao Méier e conheceu o guitarrista Hélio Delmiro, que foi um grande professor para ele. 

Se no início do longa Moacyr pede licença à estátua de Pixinguinha para que o filme seja batizado com o título informal de embaixador, dado por algumas pessoas ao flautista autor do famoso chorinho “Carinhoso”, no decorrer do documentário Moa se mostra merecedor da honraria. 

Pelas esquinas e batucadas vai conciliando, agregando pessoas e semeando lições em suas letras. Sempre com algum petisco e uma bebida. Afinal, como o próprio Moacyr escreveu em parceria com Toninho Geraes, “amigo eu nunca fiz bebendo leite, amigo eu não criei bebendo chá”. 


Ficha Técnica:
Direção: Tarsilla Alves
Roteiro: Gabriel Meyohas e Hugo Sukman
Produção: RodaFilmes e OndaFilmes
Distribuição: Bretz Filmes
Duração: 1h35
Exibição: Cine Una Belas Artes - sala 1
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: documentário, biografia

25 agosto 2025

"Os Roses – Até que a Morte os Separe": quando o amor vira guerra doméstica

Olivia Colman e Benedict Cumberbatch formam o casal perfeito que passa da paixão a uma relação
decadente e cruel (Fotos: Searchlight Pictures)


Maristela Bretas


Uma bomba-relógio prestes a explodir. Não há mais filtro, nem paciência. As agressões verbais em público tomam o lugar da imagem de casal perfeito. É nesse terreno que “Os Roses – Até que a Morte os Separe” ("The Roses") constrói sua narrativa, fazendo um retrato ácido e, muitas vezes, dolorosamente real de como casamentos longos, aparentemente felizes e ideais, podem ruir.

O longa estreia nesta quinta-feira (28) nos cinemas e traz a direção de Jay Roach, a partir de um roteiro afiado de Tony McNamara ("A Favorita" - 2019, produção estrelada por Olivia Colman, e "Pobres Criaturas" - 2024). A obra é mais um remake do clássico romance de 1981, “A Guerra dos Roses”, de Warren Adler, já adaptado em 1989 por Danny DeVito.


Aqui, o “casal perfeito” é vivido com intensidade por Olivia Colman (Ivy) e Benedict Cumberbatch (Theo). E que dupla! Colman entrega uma Ivy multifacetada, uma chef de cozinha brilhante que vê sua carreira disparar, enquanto Cumberbatch dá corpo a um Theo cada vez mais frustrado e ressentido após perder o emprego de arquiteto renomado.

No início, tudo parece um comercial de margarina: amor, carinho, filhos encantadores e estabilidade. Mas basta um contratempo para o castelo de cartas ruir. A partir daí, os ressentimentos acumulados se transformam em combustível para uma competição tóxica, recheada de implicâncias, disputas públicas e ataques verbais que corroem qualquer traço de afeto.

Humor com desconforto

O humor ácido é a engrenagem que move a trama. Roach não poupa o espectador: ele entrega uma comédia que ri do desconforto, expondo a crueldade que pode se esconder por trás da fachada de família perfeita. Não há espaço para idealizações românticas, mas sim para a amarga constatação de que o amor também pode ser palco de guerra.


“Os Roses – Até que a Morte os Separe” funciona como um espelho distorcido e incômodo. Quem assiste, ri, mas também se reconhece em algum detalhe da vida conjugal. E é justamente aí que o filme acerta: no desconforto que provoca, na tensão crescente que transforma a relação de Ivy e Theo numa batalha sem vencedores.

O elenco conta ainda com os humoristas norte-americanos Kate McKinnon (de "Barbie" - 2023) e Andy Samberg (da série "Brooklyn Nine-Nine"), interpretando o casal de amigos Amy e Barry, que vivem um "casamento moderno", mas que também está desmoronando. São eles os primeiros a chamarem a atenção de Theo e Ivy sobre o desgaste no casamento deles. 


Além da dupla temos outro casal tóxico, vivido por Jamie Demetriou (Rory) e Zoë Chao (Sally) e a rápida, mas marcante aparição de Allisson Janney, como a advogada Eleanor. 

De normais mesmo somente Sunita Mani e Ncuti Gatwa, nos papéis de Jane e Jeffrey, assistentes de Ivy, que tudo vêem e nada comentam.

“Os Roses – Até que a Morte os Separe” é uma comédia, sim. Mas daquelas que deixam gosto amargo, com humor britânico sarcástico e até repreensível em alguns momentos para tratar de amor, ambição e fraquezas. 

Todos esses elementos, sustentados pela brilhante atuação e a química de Colman e Cumberbatch, amigos de longa data, deverão agradar ao público.


Ficha técnica:
Direção:
Jay Roach
Produção: Searchlight Pictures, SunnyMarch, Delirious Media
Distribuição: 20th Century Studios
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h45
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: comédia, drama