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01 outubro 2019

Delicado e terno, "A Vida Invisível" é um filme triste porque fala de mulheres subjugadas

Filme é baseado na obra da escritora Martha Batalha e conta a história de duas irmãs separadas brutalmente pelo destino (Fotos Bruno Machado/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Quem leu o livro pode até se decepcionar ao ver "A Vida Invisível", nosso representante no Oscar no ano que vem. Vencedor do Prêmio Un Certain Regard na mostra paralela do Festival de Cannes desse ano, o longa teve o romance apenas como inspiração e eixo. Na verdade, os roteiristas Murilo Hauser, Inês Bortagaray e o próprio diretor Karim Aïnouz tiveram algum trabalho para transformar a história de Martha Batalha, como se quisessem, da obra, apenas o argumento inicial. 


Nas décadas de 1940 e 1950, no Rio de Janeiro, capital do país, duas irmãs, Eurídice e Guida, são brutalmente separadas por força de um destino que não poupa nem perdoa as rebeldias. Enquanto Eurídice se casa, mesmo sem amor, para cumprir o papel que lhe cabe na vida, Guida some no mundo atrás de uma paixão. 


No filme de Aïnouz, o que move a vida de Eurídice é a busca, quase obsessiva, da irmã sumida. No livro, embora essa procura exista, há outros desencantos da moça que enternecem o leitor e fazem refletir. Casada com um funcionário público burocrata e machista e mãe de dois filhos, essa dona de casa não consegue ser dona de si própria, por mais que invente atividades para preencher a vida. Se no livro, ela não passa de uma pretensa estudante de flauta, no filme, Eurídice vira uma pianista cheia de talentos e objetivos.


No romance de Martha Batalha, a vida verdadeiramente invisível parece ser mesmo a de Eurídice, onde a autora se debruça mais para deixar claras suas dificuldades, limitações e impotências. Guida é apenas um segundo personagem. No filme de Karim Aïnouz, invisível parece ser a trajetória das duas, já que uma está sempre buscando a outra, cada uma com a vida que conseguiu ter. Resultado, talvez, de suas escolhas. 


Embora o livro seja bem melhor do que o filme - sempre é - o longa, ainda assim, merece todas as honras com as quais vem sendo agraciado. Mesmo com as muitas modificações, o que ficou da história das duas irmãs oprimidas por pais, mães, marido e vida machistas resulta num longa terno e afetuoso, às vezes engraçado e - até - caricato, como nas cenas de sexo longas e atrapalhadas entre Eurídice e o marido. É mesmo pra rir? Nesse quesito, os elogios vão para o ator Gregório Duvivier, que interpreta Antenor, o tal marido careta e quase patético. 


As diferenças entre o filme e o livro continuam. Enquanto o primeiro se chama "A Vida Invisível", o segundo é mais completo: "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão". O longa inventou uma Eurídice velha que não está no romance, talvez para justificar uma pequena, mas marcante participação da sempre irretocável Fernanda Montenegro. Capaz de preencher todos os espaços, ela brilha como sempre e ajuda a dar outro fechamento na história, talvez mais contundente, mais terno. 

Mas não é só ela. Todo o elenco brilha. Carol Duarte e Julia Stockler, como as irmãs Eurídice e Guida, deixam na tela, com muita naturalidade, um sentimento de laços fortes e indestrutíveis. Bárbara Santos, a ex-prostituta Filomena que socorre Guida em suas necessidades, transparece solidariedade e acolhimento. 



Há também Maria Manoella, como Zélia, a amiga da família que tem participação pequena e correta. Antonio Fonseca e Flávia Gusmão como Manuel e Ana, pais das duas, fazem bem seus papéis: ele, de patriarca impiedoso; ela, de esposa obediente. Como são portugueses, e como o filme é brasileiro - portanto, sem legendas - às vezes fica difícil entender o que falam. O sotaque original da terrinha nem sempre é compreensível.

Embora se passe em outros tempos, "A Vida Invisível" não deixa de ser um recado importante no Brasil e hoje, onde ainda há muitas mulheres que se subjugam - algumas são violentadas pelos maridos - se calam, se retraem, se anulam, morrem. Lamentavelmente, é um filme atual. O filme foi apresentado pela primeira vez no Brasil  na abertura do 13ª CineBH Mostra Internacional de Cinema, ocorrida no dia 17 de setembro, e depois no dia 19 em Fortaleza. A estreia oficial no circuito nacional está marcada para o dia 31 de outubro.


Ficha técnica
Direção: Karim Aïnouz
Distribuição: Sony Pictures e Vitrine Filmes
Duração: 2h20
Classificação: 16 anos

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