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26 novembro 2024

"Tesouro" é mais uma história das marcas deixadas pelo Holocausto

Stephen Fry e Lena Dunham são pai e filha numa viagem para reconstruir as raízes da família (Fotos: Divulgação)


Jean Piter Miranda


Voltar à terra dos antepassados e conhecer suas origens. Para muitos, isso é mera curiosidade. Para outros, é prioridade. Como é o caso da jornalista estadunidense Ruth (Lena Dunham). Ela viaja com o pai, Edek Rothwax (Stephen Fry), para a Polônia, a fim de reconstruir as raízes de sua família. 

Essa é a história contada em “Tesouro” ("Treasure"), filme alemão produzido em parceria com outros países europeus que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (28). 

O ano é 1990. Ruth e o pai saem de Nova York rumo à Varsóvia, na Polônia. Ela está empolgada para conhecer o lugar onde sua família viveu. Só que seu pai não. E tem um motivo. Edek é sobrevivente do Holocausto e as memórias que ele tem do lugar não são nada boas. Na verdade, ele nem quer relembrar. 


Esse conflito de expectativas cria situações engraçadas durante a estadia da dupla na Polônia. Ruth tem tudo planejado, roteiro de onde quer visitar e porque quer ir em cada lugar. Edek, por sua vez, tenta a todo custo sabotar os planos da filha para não ter que revisitar os lugares que lhe trazem lembranças ruins. 

"Tesouro" pode ser considerado um “Road movie”, um filme de estrada. Porque é isso que Ruth e Edek fazem. Eles vão de Varsóvia à Lódz, cidade natal de Edek, e visitam Auschwitz e outros lugares. 

A grande diferença é que, nos tradicionais filmes de viagem, as imagens são sempre amplas, abertas, para mostrar as cidades, os pontos turísticos. Em "Tesouro", as cenas são quase sempre feitas em ambientes internos. 


A escolha por filmagens em locais mais fechados é bem acertada, pois remete aos anos 1990. Isso somado a uma fotografia um tanto mais escura e com pouca cor, além dos cenários com móveis, roupas e carros da época. Dá o ar de que realmente estamos na Polônia de décadas atrás. 

O personagem de Edek é mais simpático, mais cativante. Ruth não tem o mesmo humor e isso fica compreensivo ao longo da história. Há o choque cultural de Ruth por não ter crescido na Polônia, principalmente com relação ao idioma. 

Ao contrário do que muitos imaginam, nem todo mundo na Europa fala o inglês. Isso é bem abordado no filme, assim como diferentes hábitos e costumes. 

Outro ponto interessante do longa é o não mostrar cenas de violência nos campos de concentração. Recurso que poderia ter sido utilizado nas lembranças Edek, mas que a direção optou por não empregar. 


A simples referência ao Holocausto já trás ao espectador essas imagens. Semelhante ao que foi feito em “Zona de Interesse” (2013), onde o tema é abordado, mas sem cenas explícitas do massacre dos judeus na Segunda Guerra Mundial. 

"Tesouro" tem momentos cômicos e dramáticos, com bons diálogos e pequenas surpresas. Provocam boas reflexões sobre família, filhos, casamento e outras coisas que dão sentido à vida. É um filme lento e, para muitos, pode até ser cansativo. Mas, no fim, cumpre seu propósito. Não promete muito e conta bem a história que propõe. 

O longa é uma adaptação do livro “Too Many Men”, da escritora australiana Lily Brett. Romance premiado de 1999, inspirado em fatos reais e que, infelizmente, até o momento, ainda não foi lançado no Brasil. Sendo assim, quem quiser conhecer essa história, ir ao cinemas ver "Tesouro" é uma boa pedida. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Julia von Heinz
Distribuição: California Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h51
Classificação: 14 anos
Países: França, Alemanha, EUA, Bélgica, Polônia, Hungria
Gêneros: drama, comédia

26 novembro 2020

Filme comovente que dá voz aos invisíveis, “Rosa e Momo” traz Sophia Loren no papel principal

 

Produção italiana traz a veterana atriz de 86 anos depois de uma década afastada das telas (Fotos: Regine de Lazzaris Aka Greta/ Netflix)



Mirtes Helena Scallioni


Algumas verdades sobre cinema parecem consolidadas há muito tempo. Raramente, são desmentidas ideias como: histórias que falam do relacionamento entre velhos e crianças são sucesso garantido. Ou: filmes que se referem ao holocausto dos judeus despertam interesse e paixões. Ou ainda: o tema dos imigrantes e suas dores costuma tocar muita gente ao redor do mundo.
 

 
Talvez resida aí o motivo do sucesso de “Rosa e Momo” ("La vita davanti a sé"), um dos mais vistos e elogiados filmes da #Netflix nos últimos tempos. Ele contempla esses três argumentos citados e ainda exagera: traz no elenco, como protagonista, a veterana Sophia Loren, que depois de dez anos afastada das telas, reaparece com sua beleza madura e muita dignidade aos 86 anos. E o que é melhor: dirigida pelo filho caçula Edoardo Ponti.
 


Remake de “Madame Rosa – A Vida à Sua Frente”, que ganhou Oscar de Filme de Língua Estrangeira em 1977, “Rosa e Momo” é uma adaptação de “The Life Before Us” (algo como “A Vida Antes de Nós”), livro de Romain Gary. No caso da versão em cartaz na Netflix, sai subúrbio de Paris, entra periferia de Bari, cidade litorânea ao sul da Itália.

A história, por si só, promete: Rosa (Sophia Loren), ex-prostituta e sobrevivente traumatizada dos campos de concentração, ganha a vida cuidando dos filhos de suas colegas mais jovens que fazem a vida na zona boêmia de Bari. Um dia, seu amigo médico, Dr. Cohen, coloca aos seus cuidados, mesmo que contra a sua vontade, o rebelde Momo, menino senegalês órfão que está a poucos passos da marginalidade.
 

De atrito em atrito, o afeto e a cumplicidade entre a mulher e o menino vão sendo construídos. Às vezes, de um jeito que pode parecer rápido demais, quase mágico, e que, de certa forma, poderia até comprometer a verossimilhança do filme. Isso só não acontece pela atuação perfeita e na medida de ambos, convincentes cada um ao revelar ao espectador suas dores, limitações e carências.

 
A atuação do estreante Ibrahima Gueye na pele de Momo é comovente. Há que se elogiar também outros nomes do elenco como Baback Karimi como o comerciante muçulmano Hamil, Renato Carpentieri como o Dr. Choen e Abril Zamora como a prostituta Lola, amiga de Rosa.
 

Uma curiosidade: a canção tema de “Rosa e Momo” é “Lo sé”, na voz de Laura Pausini. Mas, em certo momento do longa, Lola coloca na vitrola o samba “Malandro”, de Jorge Aragão, cantado por Elza Soares, enquanto ela e Rosa saem dançando e rindo pela sala. Não há como não se emocionar.

 

Nesses dias de solidão e pandemia, não convém perder “Rosa e Momo”. Além da rara oportunidade de rever a sempre diva Loren, faz bem ao coração a ideia de que a amizade e a empatia podem prosperar, apesar dos preconceitos. E que, com amor e generosidade, pode sim ser construído um espaço para a fala dos invisíveis, mesmo que os tempos sejam de intolerância.

 


Ficha técnica:
Direção:
Edoardo Ponti
Exibição: Netflix
Duração: 1h35
Classificação: 14 anos
País: Itália
Gênero: Drama

Tags: #RosaEMomo, #Netflix, #preconceito, #fiilmeitaliano, #drama, #holocausto, #cinemanoescurinho