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22 novembro 2023

“Culpa e Desejo” expõe, sem medo, a tensão entre moralismo e vida sexual das mulheres

Longa francês leva para a telona o tabu da relação entre uma advogada casada e seu jovem enteado (Fotos: Synapse Distribution)


Eduardo Jr.


É quase incestuoso. E é excitante. Talvez ao assistir “Culpa e Desejo” (“L’été Dernier”, 2023) vocês concordem comigo. O filme de Catherine Breillat, distribuído pela Synapse Distribution, estreia nas salas do país nesta quinta-feira (23), após integrar a programação do Festival Varilux de Cinema Frances. Nele, uma mulher casada se envolve com o enteado que chega para morar na residência do casal.  

A protagonista Anne, vivida por Léa Drucker (que está incrível no papel), é uma advogada que precisa se virar em um mundo onde os homens são simplesmente incapazes (acho que não é só ficção…). Ela lida com casos de abusos sexuais contra menores. E de cara o longa mostra que ela sabe bem como a sociedade se comporta quando se trata de culpabilizar a vítima. 


Mas ela mesma se torna alvo para julgamentos morais quando o marido Pierre (Olivier Rabourdin) anuncia que Théo (Samuel Kircher), filho dele de um relacionamento anterior, vai morar com eles, e os dois cedem ao tesão.  

Theo é a expressão do viço da juventude. Associa beleza e mistério. Anne vai, aos poucos, quebrando a rebeldia do jovem, enquanto se deixa levar pela tensão sexual que cresce entre os dois. A obra, filmada sem música, privilegia a sedução e até momentos de suspense - que chegam a extrapolar a tela, mexendo com as emoções do espectador. 

Mas nem sempre a construção do clima é acertada. Na cena em que Pierre se despe no quarto conversando com a esposa, a sedução é crescente, e nota-se um cuidado para não imprimir entre o casal um desleixo que justifique a infidelidade. Ponto positivo. 


No entanto, a câmera que prioriza as curvas da protagonista e posições que evocam um erotismo, faz questionar uma objetificação da mulher, uma possível intenção dela em provocar uma situação quase incestuosa. Ponto negativo.     

Léa Drucker se veste com o título do filme. Consegue expressar o desejo e a culpa. O desconforto e a alegria com a situação. E também o desespero de quem só quer a proximidade com o amante. 

Destaque para a cena em que ela telefona para o marido, que decide fazer uma viagem com o filho, e o quadro na parede do quarto é praticamente um alter ego da protagonista. 


Com a apreensão instalada no filme, fica para o espectador a impressão de que o pior vai acontecer - e também de que poderia acontecer mais rápido. Mas no geral, o filme agrada. Se o final é satisfatório, fica a cargo de cada um dar seu veredito. 

O fato é que o longa, baseado no filme dinamarquês “Rainha de Copas” (2019) e produzido por Saïd Ben Saïd (de “Bacurau”, 2019), concorreu ao prêmio principal da Palma de Ouro em Cannes este ano. Fala de amor. De culpa. De julgamento. De desejo. De vida real (aquela que muitos tentam esconder sob o tapete).   


Ficha Técnica:
Direção: Catherine Breillat
Produção: Saïd Ben Saïd
Distribuição: Synapse Distribution
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h44
Classificação: 16 anos
País: França
Gênero: drama

30 abril 2021

Impossível sair incólume do perturbador “Bela Vingança”

Filme dirigido por Emerald Fennell e estrelado por Carey Mullingan venceu o Oscar 2021 de Melhor Roteiro Original (Fotos: Focus Features)

Mirtes Helena Scalioni


Ninguém precisa pensar muito para se lembrar de ter ouvido, alguma vez na vida, homens - e mulheres - justificando um estupro com frases do tipo: “corpo de bêbada não tem dono”, “só aconteceu porque ela bebeu muito” ou “ela se ofereceu e ele fez a parte dele”. É mais ou menos disso que trata o filme “Bela Vingança” ("Promissing Young Woman"), cuja diretora e roteirista, Emerald Fennell, acaba de receber o Oscar de Melhor Roteiro Original. A estreia nos cinemas brasileiros acontece dia 13 de maio.


A cena é clássica e, normalmente, faz parte das comédias: numa balada, a moça se empolga incentivada por amigos, passa da conta na bebida e, no final da noite, é socorrida por algum homem que, generosamente, cuida dela. De manhã, acorda num lugar desconhecido, com alguém de quem não se lembra, de ressaca e, às vezes, sem calcinha. O episódio resulta sempre em muitas gargalhadas.


Foi nesse vespeiro tão corriqueiro quanto revoltante que Emerald Fennell quis cutucar ao escrever seu roteiro. E colocou o longa nas telas de forma tão enigmática que, até metade do filme, o público se pergunta por que a personagem central, a jovem Cassandra Thomas - Cassie (Carey Mulligan) trabalha como atendente num café se cursou a faculdade de Medicina?


Ou: por que ela costuma sair sempre sozinha para diferentes baladas, firmemente disposta a provocar e fisgar machos dispostos a abusar de mulheres bêbadas e depois se vingar deles? Ou ainda: por que ela é tão misteriosamente triste e sozinha a ponto de nem se lembrar do dia do seu aniversário de 30 anos?


Que ninguém se engane: “Bela Vingança” é um filme pesado e ácido. Aos poucos, lembranças e traumas vão sendo colocados para o espectador, que chega a ficar confuso com a cara de anjo de Cassie. 

Nesse ponto, a bela Carey Mulligan dá show, confundindo e despertando mais e mais curiosidade no público. Mesmo depois que ela encontra e passa a se relacionar com um ex-colega de faculdade, Ryan (Bo Burnham), seus planos continuam nebulosos por um bom tempo.


“Bela Vingança” é um filme propositadamente perturbador, inclusive pela inserção de belas e melodiosas canções que, tocadas praticamente na íntegra, parecem, de relance, não combinar em nada com a tensão da trama. Tudo é absolutamente surpreendente no longa. 

É tão estranho e admiravelmente inesperado que pode até parecer inverossímil. Mas verdade seja dita: a história lava a alma de mulheres e homens que acreditam que corpos são sagrados e não podem – em hipótese nenhuma – ser abusados.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Emerald Fennell
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: 13 de maio nos cinemas
Duração: 1h48
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: Drama / Suspense